Que corpo é esse O corpo na família, mídia, escola, saúde...

Título
Que corpo é esse O corpo na família, mídia, escola, saúde...
Autor
Nádia Geisa Silveira Souza
Orientação
Diogo Souza
Instituição
UFRGS
Grau de Titulação
Doutorado
Unidade / Setor
Instituto de Ciências Básicas da Saúde
Ano
2001
Cidade / UF
Porto Alegre/RS
Dependência Administrativa:
Federal
Resumo
Esta tese iniciou com a realização do curso "Uma releitura da dicotomia corpo/organismo" oferecido para professores/as de biologia do ensino médio da Rede de Educação Pública da cidade de Porto Alegre, RS. Nesta pesquisa, problematizo as pedagogias empregadas no estudo do corpo visto como um fenômeno "puramente" biológico e busco chamar a atenção para algumas práticas discursivas, desconsideradas pelas disciplinas biológicas, que se entrelaçam no meio social fabricando os corpos. O entendimento de que os sentidos que atribuímos ao corpo são produzidos nos processos de significação cultural tem-me levado a estabelecer aproximações com algumas proposições do campo dos Estudos Culturais nas suas versões pós-estruturalistas e de Foucault. Com este estudo, tenho como propósito interrogar a concepção disciplinar do corpo, isto é, como a-histórico ou fixo, pré-determinado na herança, genética e/ou histórica, ou como pura anatomia e fisiologia, sem relação com o meio onde vive e as maneiras como vive. Para Foucault (1998), a disciplina, enquanto um conjunto de métodos e proposições verdadeiras, define um conjunto de objetos que controlam e restringem os discursos. Nessa perspectiva, as práticas discursivas do campo biológico, ao criarem categorias (o organismo) e modos de conhecer e nomear os seres vivos, vêm produzindo a dicotomia corpo/organismo. Todavia, o corpo, diz Foucault (1998), é "superfície de inscrição dos acontecimentos (...), lugar de dissociação do Eu (...), volume em perpétua pulverização". Nesse sentido, nossos corpos, enquanto sistemas vivos em inter-relação com o meio, são mistos dos múltiplos processos que corporificamos. Assim, percorrer a trama histórica dos acontecimentos que constituem os corpos, inscrevendo-se neles, talvez permita pensar nos corpos como efeito desses mecanismos que os agenciam ao definirem e criarem jeitos particulares de ser. Nessa direção, como estratégia metodológica, analiso narrativas dos/as professores/as que participaram do Curso já referido sobre alguns momentos vividos na família e as implicações das práticas discursivas e não discursivas veiculadas na mídia e presentes na disciplina biológica na constituição dos seus corpos e das suas vidas. Examino as cenas e as falas transcritas desses professores/as ao participarem do curso, que foi gravado em fita cassete. No curso foram desenvolvidas atividades com os propósitos de pensar e de discutir sobre as implicações de algumas práticas habituais na constituição do corpo e da vida das pessoas. Dentre as atividades, apresentarei três a seguir, pois elas compõem esta pesquisa. Com a atividade intitulada Histórias dos nomes, visou-se refletir acerca dos efeitos dos marcadores sociais, imbricados nos aspectos bio-culturais da vida das pessoas, na constituição das identidades. Para tanto, conversamos sobre a escolha dos nossos nomes, aspectos significativos de nós mesmos e discutimos sobre: nós somos o nosso nome O que do nosso nome tem no nosso corpo A análise das narrativas possibilitou-me ver que, ao nascermos, a escolha do nome é uma das primeiras práticas sociais que marca o corpo. Essa prática integrada a outros elementos sociais - os desejos, os sentimentos, as relações de poder e de gênero entre o pai e a mãe, as tradições -, que antecedem as pessoas, configuram-se em signos e sentidos que marcam e demarcam os corpos, produzindo-os ao serem corporificados no convívio familiar. Pude ver, também, que o não reconhecimento no nome recebido engendra outros processos de identificação dos quais as pessoas também participam na construção das suas denominações, como no caso dos apelidos, por exemplo. Na atividade denominada Com quem sou parecido/a Como é ser parecido/a Buscou-se discutir como algumas práticas presentes nas famílias instituem as parecenças atribuídas às pessoas e aos grupos familiares, como também sobre os efeitos dessas parecenças preestabelecidas na cultura familiar, a partir de fotos de família. Examinar os processos de parecença narrados permitiu-me entender que, na família, atuam diversos elementos sociais, como os regimes sobre a herança - a tradição familiar e/ou a genética -as diferenças étnicas, os "laços" afetivos ou sanguíneos, as fotografias e as histórias de família, dentre outros, que, simultaneamente, a identificação/diferenciação e o pertencimento/exclusão da pessoa e do grupo familiar. As características e os comportamentos estabelecidos em algumas práticas sociais vividas na família, ao marcarem e demarcarem os corpos, engendram, ao mesmo tempo, pessoas e grupos familiares cujas naturezas são tidas como inerentes a eles. Com a atividade intitulada Implicações da disciplina biológica e das mídias na constituição do corpo e da vida, procurou-se refletir sobre os efeitos das práticas discursivas que se correlacionam no meio social na constituição dos significados que atribuímos ao nosso corpo e à nossa vida. Os/as professores/as traçaram a linha de vida de uma pessoa, representando as fases definidas pela biologia - a vida intra-uterina, a infância, a adolescência, a vida adulta, a velhice e a morte através da montagem de um cartaz. Para tanto, utilizaram-se imagens de revistas e jornais e/ou palavras e textos que foram organizadas em termos de uma seqüência "evolutiva" da existência humana. A análise das narrativas - no cartaz e nas falas - mostrou que a disciplina biológica, ao tomar o corpo como "objeto" de conhecimento esquadrinhando, descrevendo, categorizando e ordenando, cria saberes (as categorias, os conceitos, as teorias, nesse caso, sobre o desenvolvimento humano) e procedimentos disciplinares que, ao imprimirem no corpo tais "conteúdos", regulam e padronizam o corpo e o modo de vida das pessoas. Além disso, integrando esse regime, apareceram outros, como os de culto à vida veiculados na mídia, cujos discursos prometem/vendem as imagens positivas do corpo saudável, jovem e feliz e negativas do envelhecimento e da morte. Olhar essas práticas instituídas nas famílias, na mídia e na educação escolar que compõem o cotidiano das nossas vidas de modo "invisível", possibilitou-me entender os corpos como construções singulares dos processos vividos cotidianamente. Analisar as narrativas dos/as professores/as de biologia sobre suas experiências relativamente a distintas instituições sociais, as famílias, a mídia, a educação escolarizada e, nela, a disciplina biológica, possibilitou-me entender os corpos e as vidas como configurados nas práticas de significação que os inscrevem cotidianamente. Tais sistemas de significação, que codificam, moldam e regulam as percepções, os gestos, os sentimentos, os hábitos, as maneiras de agir das pessoas em relação a si mesmo e aos demais, fabricam os corpos e governam a vida das pessoas. Essas compreensões permitiram-me, também, interrogar a pretensa existência do corpo como dotado de essências universais biológica, histórica e/ou transcendental, de um corpo fixo, estável e universal. E, ainda, problematizar as práticas discursivas da disciplina biológica presentes na educação escolarizada, uma vez que elas engendram uma maneira particular do que e como ver o corpo humano. Os pressupostos que regem as estratégias disciplinares, ao assumirem uma posição dominante nas salas de aula, vêm excluindo as vozes e as experiências dos/as estudantes em relação ao seu corpo e à sua vida, o que têm dificultado conexões com os seus saberes e práticas. Dessa forma, as disciplinas vêm atuando mais no controle dos corpos do que na produção de saberes relevantes às vidas dos/as alunos/as. Na continuidade das atividades tratadas acima, mas sem compor esta Tese, foi realizada uma atividade denominada Relacionando o corpo constituído na família e na mídia com o ensino de biologia, cujos propósitos eram interrogar as pedagogias das disciplinas biológicas, que reduzem os corpos ao fenômeno biológico, e refletir acerca das propostas empregadas no ensino dessa disciplina. Para tanto, os/as professores/as elaboraram redes temáticas procurando relacionar as proposições sobre o corpo, discutidas até então no Curso, com as temáticas desenvolvidas nas suas salas de aula. A análise dessas propostas permitiu-me ver que algumas relações foram criadas, por exemplo, o estudo do Sistema Digestivo Humano integrou os hábitos alimentares dos/as estudantes e os saberes deles/as sobre o funcionamento do próprio corpo adquiridos nas suas vivências, e o estudo da Genética relacionou-se às características dos estudantes e de seus familiares e aos aspectos ambientais e culturais etc. Todavia, foram as "regras" da disciplina biológica que predominaram como princípios na seleção e na ordenação tanto das temáticas quanto das metodologias que integraram essas propostas. A disciplina funcionou como um mecanismo que instituiu e regulou o que e como falar e pensar no corpo e como atuar em relação a essa temática nas salas de aula. Embora tal momento do Curso e do estudo que realizei não integre esta Tese, apresentei-o aqui não só para explicitar como vi o funcionamento dos mecanismos disciplinares nesse caso, mas também porque ele me leva a pensar em perspectivas para estudos futuros. Ou seja, entender e discutir, de maneira mais aprofundada, como os mecanismos dos campos biológico e educacional vêm atuando em distintos espaços, especialmente nas salas de aula e os efeitos que têm produzido.
Palavras Chave
Corpo; Organismo Biológico; Estudos Culturais; Construção Social.

Classificações

Nível escolar
Ensino Médio, Ensino Superior
Área do conteudo
Biologia
Foco Temático
Conteúdo-Método